No nosso Herz Entrevista de hoje vamos conversar com a Roberta Nedel, que é psicóloga e tem especialização em Psicologia da Criança e do Adolescente pela Unisinos. Vamos abordar um assunto que vem sendo muito discutido nos últimos anos, que é a importância da autonomia na infância.
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Roberta Nedel - psicóloga |
Herz – Roberta, quando os pais olham para os filhos veem bebês tão frágeis e totalmente dependentes. É normal querer superprotegê-los. Como fazer para que criem autonomia sem que lhes falte proteção?
Roberta – De fato, quando uma criança nasce, ela é dependente em tudo para sobreviver. Precisa de cuidados desde a alimentação até a higiene. Conforme vai crescendo, a sua dependência em relação aos pais vai diminuindo. A criança vai, naturalmente, se tornando mais autônoma. Ela vai imitando comportamentos, adquirindo competências e já vai conseguindo tomar pequenas decisões sozinhas.
Herz – Então, na verdade há uma inclinação natural ao indivíduo em criar a sua própria autonomia?
Roberta – Sim. Estabelecer-se como indivíduo é natural no ser humano. Mas é importantíssimo para o desenvolvimento desse indivíduo, enquanto criança, que ele seja estimulado a crescer e a aprender a fazer coisas que antes não conseguia realizar sozinho. Nesse momento também entra a importância da rotina, dos deveres e tarefas do dia-a-dia. Esses deveres devem ser ensinados (e até cobradas) para que a criança aprenda e desenvolva sua independência.
Herz – E de que modo os pais podem fazer isso?
Roberta - Uma das melhores maneiras de introduzir a criança nas tarefas é por meio daquilo que está mais perto dela no momento, ou seja, os brinquedos. Desse modo, estimular a guardar os próprios brinquedos, aprender a tirar sua própria roupa, comer sem o auxílio de adultos (mesmo que dê sujeira!), são habilidades a ser ensinadas desde bem cedo.
Herz – A partir de que idade podemos, por exemplo, pedir que guardem os brinquedos?
Roberta – Em geral, a partir dos dois anos e meio a criança já tem condições de compreender e executar tarefas simples, como guardar os brinquedos. Mas como cada criança é única, os pais devem respeitar suas limitações físicas e emocionais, além de supervisionar e elogiar. Conforme a criança for crescendo, pode ir assimilando e incorporando novas e mais complexas tarefas no seu dia-a-dia, como por exemplo arrumar sua cama, ajudar a pôr a mesa, arrumar a mochila da escola, regar plantas e ajudar a cuidar de um animal de estimação.
Herz – Isso vai se refletir na personalidade do indivíduo quando adulto...
Roberta – De fato, estas atividades possibilitam a construção da noção da responsabilidade, organização, cuidado, independência, regras e limites, que são tão importantes na vida em sociedade. A criança que tem um ganho de confiança, autoestima e segurança em relação às próprias capacidades torna-se um adulto mais confiante e seguro quanto às suas escolhas.
Herz – Alguns familiares muitas vezes fazem comentários tecendo comparações, por exemplo “a tua prima já toma banho sozinha!”, tentando estimular qua a criança assuma algumas atividades. Até que ponto um comentário desse tipo pode ajudar?
Roberta – É preciso ter cuidado com as comparações, pois nem sempre são saudáveis para as crianças. Nunca podemos esquecer que cada criança é única. Devemos respeitar a etapa do desenvolvimento no qual cada criança se encontra. Algumas crianças têm habilidades motoras mais precoces e outras desenvolvem mais a parte intelectual. O certo é comparar a evolução da criança com ela mesma e sempre estimular para que o desenvolvimento das suas habilidades aconteça de forma saudável, sem pressões. Estimular é bem diferente de pressionar!
Herz – Criar autonomia na criança seria deixá-la livre para ter atitudes e escolhas pessoais?
Roberta – Sim, em parte. É importante o desenvolvimento da capacidade de tomar decisões, ter suas escolhas pessoais sim. Mas também (e principalmente) entender e assumir as consequências dessas escolhas. Pelas atividades e responsabilidades diárias há o desenvolvimento da autonomia e, através da noção de que cada escolha tem uma consequência, se propicia o desenvolvimento da capacidade de resolver conflitos ao longo da vida.
Herz – Podemos dizer que há uma linha tênue que separa a proteção e a superproteção?
Roberta – A criança precisa de proteção. Os limites, as regras e a rotina fazem com que ela se sinta segura e ciente de que existe alguém em quem elas podem confiar. Mas os pais precisam autorizar a criança para que ela vá experimentando, crescendo e se desenvolvendo. O estímulo é necessário para crescerem saudáveis, enfrentar os obstáculos e encontrar soluções por conta própria. Neste sentido, enquanto os pais executam tarefas, fazem escolhas e resolvem conflitos pelos filhos, acabam superprotegendo-os. Isso traz uma dificuldade maior da criança moldar o seu caráter e sua personalidade individual, impede que ela desenvolva seus próprios recursos internos para lidar com a vida ainda enquanto criança e, mais tarde, na vida em sociedade.
A Roberta atende semanalmente na Clínica Herz pacientes de todas as faixas etárias.